- Nº 2214 (2016/05/5)
Debate sobre o sistema financeiro comprova

Só a banca pública<br>defende o País

Assembleia da República

O processo de concentração e centralização do sector bancário, nacional e europeu, defendido pelos grandes grupos económicos, pelos monopólios da banca e pelas instâncias europeias é contrário aos interesses de Portugal e dos portugueses, a um desenvolvimento soberano, de progresso e justiça social.

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Foi a partir desta ideia-chave – consciente do lastro de comportamentos pouco recomendáveis do sistema financeiro nacional, incluindo práticas criminosas, de abuso, esbulho e usurpação –, mas tendo sobretudo presente a imperiosa necessidade de uma outra política, que o PCP levou o assunto ao Parlamento, sexta-feira passada, 30 de Abril, em debate temático centrado no «sistema financeiro e controlo público da banca».

O mote foi lançado na intervenção com que Miguel Tiago iniciou este debate durante o qual ficou claro que a continuação da política actual – e foram já mais de 20 mil milhões os euros injectados em bancos privados – levará ao «crescimento continuado da descapitalização da banca, da necessidade de intervenção pública, com custos cada vez maiores, em ciclos cada vez mais curtos».

Só cifrões...

Sem argumentos em favor das virtualidades da propriedade e gestão privada, as bancadas da direita procuraram branquear responsabilidades próprias nos casos BES e Banif, enveredando pela mistificação dos factos. Foi assim possível ouvir pela voz do deputado Manuel Rodrigues (PSD), para estupefacção geral, afirmações como a de que o «sistema financeiro está estabilizado», o «financiamento à economia recuperado» e a «confiança restaurada».

Procurando iludir o que a vida comprova ser um facto inquestionável – a gestão privada da banca é sinónimo de desastre público –, o CDS, por seu lado, esforçou-se por fazer passar a ideia de que a questão é apenas de «competência», não havendo diferenças entre gestão pública e privada.

A estes argumentos respondeu João Oliveira assinalando que «é hoje muito claro que a propriedade e gestão privada da banca não serviram o País, nem os portugueses». Ao invés, «pensando apenas no lucro dos seus accionistas sem olhar a meios, e recorrendo aos mais ilegítimos e corruptos, a banca privada foi responsável pelos desequilíbrios nacionais, pela instabilidade, pela degradação económica e social», constatou o líder parlamentar do PCP. Gestão bancária privada, sempre louvada por PSD e CDS, cujas qualidade estão de resto bem espelhadas nos escândalos financeiros do BPN, BPP, BCP, BES e Banif.

Perda de soberania

Colocada no centro do debate pelos deputados comunistas foi também a questão da perda de soberania nacional no sistema financeiro.

Encarando-a como um «problema» sério, essa perda, segundo João Oliveira, ocorre com a perda de soberania monetária e a emissão de moeda pelo BCE, com a União Bancária e a entrega a entidades supranacionais das responsabilidades da regulação e supervisão e respectivos mecanismos únicos.

«Mas perda de soberania nacional também na sequência da privatização da banca e do seu progressivo domínio pelo capital estrangeiro, da agilização do processo de centralização e concentração de capital no plano da União Europeia com o qual se promove o encerramento de bancos de menor dimensão, a fusão, a concentração de depósitos e investimentos nos grandes colossos financeiros», acrescentou o presidente do Grupo Parlamentar do PCP, concluindo que de tudo isto resulta que não haverá a resolução de «nenhum dos problemas do sector financeiro mas apenas os objectivos de concentração e centralização do capital financeiro nos mega-bancos das potências da União Europeia».

E por isso, intervindo no final do debate, João Oliveira considerou que aos olhos dos portugueses vai ficando clara a ideia de que a contenção dos «grandes riscos sistémicos exige o controlo público do sistema financeiro».

«Não é admissível que continuem a ser os povos a pagar os custos da propriedade e gestão privada da banca», sublinhou, antes de expor a segunda ideia que do seu ponto de vista ganha crescente consistência nas populações: a ideia de que a «banca ou é pública ou não é nacional».

«A banca pública é a única possibilidade de garantir o interesse público e nacional, de evitar gravosas orientações determinadas pelos centros do capital financeiro transnacional, de limitar as distorções da concorrência pela grande concentração bancária privada, de recuperar uma alavanca imprescindível para o desenvolvimento soberano do País», sumariou, defendendo – e esta foi a questão central do debate – que o «controlo público da banca é condição (não suficiente mas necessária) para o desenvolvimento da soberania nacional».

Tanto mais que, como a vida tem demonstrado, «só a banca nas mãos do povo não rouba o País», como afirmou na fase inicial do debate Miguel Tiago.

Caixa 100% pública

O Governo vai proceder à capitalização com fundos públicos da Caixa Geral de Depósitos, que se manterá 100 por cento na esfera pública. Essa foi uma garantia dada no debate pelo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, que afirmou não estar o Governo «disponível» para a entrada de capital privado nesta instituição, que classificou de pilar na estabilidade do sistema financeiro.

Aquele membro do Executivo respondia ao deputado comunista Bruno Dias que o questionara sobre se o Governo, perante necessidades de capital que venham a colocar-se ao banco público, assegura essa capitalização com recursos públicos e sem prejuízo da actividade por este desenvolvida.

É que a CGD, como salientou o deputado do PCP, a par da responsabilidade que tem no apoio ao financiamento da economia, desempenha simultaneamente um importante papel no serviço às populações, a quem presta um serviço de proximidade.

Já sobre o Novo Banco, o governante repetiu o que tem sido dito por outros responsáveis políticos: que «todas as possibilidades estão em aberto» e que o Governo «fará o que for melhor para Portugal e que menos onere os contribuintes».

Respondia assim, de forma algo evasiva, ao deputado comunista Miguel Tiago que o instara a esclarecer sobre a perspectiva que o Governo tem para o Novo Banco e sobre o acompanhamento que está a fazer ao processo conduzido pela actual administração e pelo Fundo de Resolução, que dita no essencial a diminuição do negócio do banco e o sacrifício dos trabalhadores.

Paraísos sem lei

Suscitada por João Oliveira foi a questão do funcionamento dos offshores e suas implicações para o sistema financeiro – não tanto pelo ângulo do combate à fraude e evasão fiscais, ao branqueamento de capitais e ao terrorismo, mas do ponto de vista da sua utilização para ocultação de crédito concedido pelas instituições financeiras aos próprios banqueiros e accionistas. Prática que tem contribuído em muitas circunstâncias para a situação de descapitalização daquelas instituições financeiras.

Esta é, pois, segundo João Oliveira, uma dimensão do problema que está directamente relacionada com o «funcionamento do sistema financeiro, a forma como são geridas as instituições financeiras, a capacidade ou não de controlar, fiscalizar e impor regras de utilização do crédito como bem público que deve ser considerado».

Daí ter questionado o secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Ricardo Félix, sobre a perspectiva do Governo quanto ao combate aos offshores e sua utilização para estes fins.

Afirmando-se concordante com as preocupações do líder parlamentar do PCP, o governante esclareceu que o «combate à fuga de capitais para offshores é uma prioridade deste Governo», o que se traduziu já, informou, na «aprovação de medidas», as mais recentes das quais constam de um «pacote» aprovado na véspera, visando, por um lado, «partilha de informação», e, por outro, a adopção de «mecanismos no âmbito da OCDE destinados a evitar e combater políticas agressivas de deslocação de sedes de multinacionais para obter lucros fiscais indevidos».

Assaltos impunes

O caso BES é paradigmático de como a banca, nas mãos dos grandes accionistas, foi posta ao serviço da acumulação do lucro e dos «caprichos de uma classe dominante» insaciável na sua ambição de «ser mais rica e ter mais domínio», como salientou Miguel Tiago, que lembrou os mais de quatro mil milhões de euros em dividendos retirados pelos accionistas entre 1992 e 2008, estando por saber exactamente quantos mais milhões foram sugados por «outras formas não lícitas ou ilegais». O resultado é sobejamente conhecido: «um banco que deixou um buraco de 4,9 mil milhões de euros nas contas dos portugueses».

E o mesmo se passou no Banif e em muitos bancos descapitalizados por opções dos seus grandes accionistas.

Posto por si em evidência foi ainda o contraste gritante entre o período em que a banca esteve nacionalizada (a partir de 1975) e o período que se seguiu à sua privatização. No público, recordou, a banca «cresceu e financiou a economia»; em mãos privados, o que se veio a assistir foi a «um ciclo de assaltos aos bancos, assaltos perpetrados pelos seus próprios proprietários».

«E tudo sob o olhar do Banco de Portugal que não evitou um só assalto», lamentou o deputado do PCP.